Nas primeiras horas do dia 24 de fevereiro de 2022, por volta das 23h do dia 23 no Brasil, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou em rede nacional de TV uma operação militar na região do Donbass, no leste da Ucrânia. O ato foi visto como uma declaração de guerra. r1t21
Apesar de a Rússia ter confirmado apenas ações militares no Donbass, onde recentemente reconheceu os governos das repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk, foram registrados ataques a bases militares ucranianas em outras regiões.
A tensão entre a Rússia e a Ucrânia aumentou após milhares de soldados russos serem posicionados nas fronteiras com o território ucraniano, o que despertou o alerta para uma invasão russa na Ucrânia.
Essa movimentação atípica começou em novembro de 2021 e se intensificou em janeiro de 2022, mas a origem do conflito é mais antiga.
As raízes do conflito estão na crise política que se instalou na Ucrânia no ano de 2014 e na anexação da Crimeia pela Rússia nesse mesmo período. Além disso, os russos tentam impedir uma maior aproximação da Ucrânia com a Otan, sendo essa uma das exigências impostas por parte da Rússia em meio às negociações.
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A atual escalada de tensão entre a Rússia e a Ucrânia iniciou-se a partir do final de 2021, quando a Rússia deslocou mais de 100 mil soldados e um conjunto de aparatos militares, como veículos blindados e armamentos, para a sua fronteira com o país do Leste Europeu, o que foi interpretado como uma ameaça de invasão ao território ucraniano.
No dia 26 de janeiro de 2022, o governo russo divulgou imagens de uma parte do seu grupo militar em treinamento em Rostov, próximo da divisa setentrional com a Ucrânia. O território ucraniano possui quase dois mil km de fronteiras terrestres com a Rússia, situada ao norte, leste e sudeste.
Não obstante as negativas do governo russo sobre uma eminente invasão e guerra contra a Ucrânia, esse movimento por parte da Rússia provocou a reação dos líderes ucranianos e despertou o alerta em todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos e nos demais membros da Otan e da União Europeia. O secretário-geral da Otan, no entanto, negou que a organização auxiliará militarmente a Ucrânia em caso de um ataque promovido pela Rússia,|1| embora tenha reforçado a segurança em seus países-membros do Leste Europeu.|2|
As tensões geopolíticas entre a Rússia e a Ucrânia, no entanto, não surgiram recentemente. Na verdade, o atual problema já se estende por quase oito anos, e tem suas raízes em 2014, ano em que a Rússia anexou o território da Crimeia.
A Crimeia é uma península ucraniana que havia sido incorporada ao país em 1954, quando ainda fazia parte da União Soviética. Localiza-se no mar Negro, a sudeste da parcela continental do território ucraniano. Essa região apresenta uma profunda conexão étnico cultural com a Rússia, considerando que o russo é um dos principais idiomas falados na Crimeia e uma grande parcela de sua população é de origem russa.
A anexação da Crimeia ocorreu depois da deposição do presidente ucraniano pró-Rússia Viktor Yanukovich, seguindo a crise política que se instaurou no país a partir do final de 2013. Outros motivos associados aos avanços da Rússia na fronteira ucraniana são as negociações que estavam em curso entre a Ucrânia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o que significaria uma maior presença ocidental, principalmente dos Estados Unidos, no Leste Europeu.
A crise de 2013/2014 deu origem a um intenso conflito no leste da Ucrânia, na região de Donbass, provocado pelo surgimento de grupos separatistas pró-Rússia, que constituíram duas repúblicas independentes não reconhecidas nem pelo governo ucraniano nem pela comunidade internacional, que são as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. Ambas têm, entretanto, o apoio de Moscou.
Nota-se, além disso, que a Ucrânia, os Estados Unidos e outros membros da Otan executaram exercícios militares no mar Negro em meados de 2021, próximo de onde se localiza a Crimeia, o que elevou a desconfiança da Rússia.
A crise política no país teve início no mês de novembro de 2013, quando houve a suspensão (ou adiamento) das negociações que estavam em curso entre a União Europeia e a Ucrânia. A falta de um acordo levou centenas de milhares de ucranianos às ruas para protestarem contra a decisão, demonstrando ainda a sua insatisfação frente ao governo do então presidente Viktor Yanukovich, alinhado com a política russa e um dos protagonistas da Revolução Laranja de 2004, ocasionada pelas denúncias de fraude nas eleições presidenciais disputadas e vencidas por Yanukovich naquele mesmo ano. Seu opositor era Viktor Yushchenko.
Uma das exigências dos manifestantes era a retomada das negociações de Kiev com a União Europeia, o que foi negado por Yanukovich. Diante disso, foi exigida do presidente a sua renúncia ao cargo. A reação do governo ucraniano aos protestos deixou mortos e feridos entre janeiro e fevereiro de 2014, fato que suscitou a escalada dos conflitos e a ocupação, por parte dos manifestantes, de prédios oficiais do governo. Em 22 de fevereiro daquele mesmo ano, Yanukovich foi destituído pelo Parlamento ucraniano.
Todos esses eventos, em especial o afastamento do presidente alinhado com a Rússia, promoveram o agravamento da crise política na Ucrânia, gerando um conflito no leste do país denominado Guerra de Donbass ou Guerra da Ucrânia, caracterizado pelo enfrentamento de grupos separatistas pró-Rússia e o exército ucraniano. A guerra resultou em milhares de pessoas refugiadas e aproximadamente 14 mil mortes, além da destruição de cidades, muitas transformadas em campos de batalha, e lavouras agrícolas. Kiev recebeu o apoio direto dos Estados Unidos, da Otan e da União Europeia, enquanto a Rússia se aproximou de Belarus.
Instaurou-se no período um conflito inicialmente de caráter diplomático com o país vizinho, mas que tomou um novo contorno com o apoio demonstrado pelos russos aos grupos separatistas do leste ucraniano e com a posterior anexação da Crimeia. Em 2015, Ucrânia, Rússia, Alemanha e França am os Acordos de Minsk, que demandavam o cessar-fogo e a retirada de armamentos pesados no leste do território ucraniano, mas, ainda assim, os conflitos não chegaram ao fim como se esperava.
Antes de se tornar uma nação independente, no ano de 1991, após a dissolução da União Soviética, o território da Ucrânia fez parte da Rússia. Para além disso, ambos os países têm a mesma origem histórica. A importância da Ucrânia para a Rússia abrange ainda questões estratégicas para a manutenção de sua soberania externa e também econômicas.
Muitos especialistas de política internacional analisam que a Ucrânia, pela relação histórica que tem com a Rússia e, sobretudo, pela sua posição geográfica, representa uma espécie de barreira entre as influências do Ocidente, mais precisamente de organizações internacionais como a Otan, e o território russo.|3| Assim, a Rússia se manteria como uma das principais nações influentes na região do Leste Europeu. É justamente por isso que um acordo entre a Ucrânia e a União Europeia, além da cooperação com a Otan, seria potencialmente prejudicial para a Rússia.
Em se tratando da localização do território ucraniano, ele já foi, no ado, uma barreira para o avanço de tropas militares sobre a Rússia, representando assim uma “zona de segurança” para o país.|4|
A importância econômica da Ucrânia está diretamente ligada à exportação de gás natural da Rússia para a Europa, pois os gasodutos utilizados pelo país atravessam o território ucraniano, o que, em contrapartida, gera uma receita de quase dois bilhões de dólares por ano para a Ucrânia.|5|
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Os Estados Unidos, desde o início da escalada de tensões entre a Rússia e a Ucrânia, posicionaram-se contrários às ofensivas russas e demonstraram apoio diplomático ao governo ucraniano. O país, em conjunto com a Otan, recusou a exigência russa de impedir a entrada da Ucrânia na organização e ainda ameaça a imposição de severas sanções econômicas a Moscou caso a situação termine em um ime. O atual presidente norte-americano Joe Biden fala até mesmo em sanções pessoais contra Vladimir Putin, presidente russo.|6|
A forma como foi efetivada a retirada das tropas norte-americanas no Afeganistão, junto do fracasso da ocupação no país do Oriente Médio, bem como a conjuntura interna fragilizada dos Estados Unidos no atual momento|7| representam dificuldades para que o país apoie uma possível invasão na Ucrânia, que resultaria em um conflito de maior escala na Europa. Além disso, a posição da China diante do conflito e uma maior aproximação com a Rússia imporiam desafios ainda maiores aos Estados Unidos na manutenção de sua hegemonia internacional.
O conflito entre Rússia e Ucrânia impõe reflexos não somente na Europa, que vive um momento de muita tensão com a ameaça à segurança interna no continente, mas em todo o mundo, inclusive no Brasil. De imediato, a tensão entre essas nações suscita um ime diplomático para os demais países, especialmente para aqueles que mantêm relações com ambos.
O cenário econômico internacional também é afetado, uma vez que a Ucrânia e a Rússia são grandes produtores e exportadores de cereais e grãos, especialmente para a Europa. O território russo é ainda o terceiro maior produtor mundial de petróleo e gás natural, atrás somente dos Estados Unidos e da Arábia Saudita, tendo assim papel fundamental no mercado dessas commodities, principalmente no que diz respeito aos preços do barril de petróleo.
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As tensões entre a Rússia e a Ucrânia têm sido, desde o final de 2021, um tema muito importante e recorrente em todos os noticiários brasileiros e internacionais, e certamente algumas questões a esse respeito aparecerão nas provas de Ciências Humanas dos próximos vestibulares. Atente-se para os seguintes temas:
Notas
|1| DW. Otan não enviará tropas à Ucrânia em caso de ataque russo. DW, 30 jan. 2022. Disponível aqui.
|2| DW. Otan reforça presença militar no Leste Europeu. DW, 24 jan. 2022. Disponível aqui.
|3| MACIEL, Camila. Entenda o conflito entre Rússia e Ucrânia e como ele afeta o Brasil. Agência Brasil, 29 jan. 2022. Disponível aqui.
|3| BARINI, Filipe. Entenda em oito perguntas a crise na Ucrânia e o risco de guerra. O Globo, 01 fev. 2022. Disponível aqui.
|4| BERMÚDEZ, Ángel. 3 fatores que explicam por que a Ucrânia é tão importante para a Rússia. BBC News Mundo, 31 jan. 2022. Disponível aqui.
|5| GIEGLOW, Igor. Entenda a crise entre a Rússia de Putin, a Ucrânia e as forças da Otan. Folha de S.Paulo, 25 jan. 2022. Disponível aqui.
|6| DW. Biden ameaça impor sanções diretas contra Putin. DW, 26 jan. 2022. Disponível aqui.
|7| MACIEL, Camila. Entenda o conflito entre Rússia e Ucrânia e como ele afeta o Brasil. Agência Brasil, 29 jan. 2022. Disponível aqui.
Créditos da imagem
[1] E.Kryzhanivskyi / Shutterstock
Por Paloma Guitarrara
Professora de Geografia
Fonte: Brasil Escola - /atualidades/tensao-entre-russia-e-ucrania.htm